Bar João: Saiba tudo sobre o templo dos headbangers gaúchos
Consultando os textos especiais sobre o Rock Pesado Gaúcho, presentes na trilogia “Tá no Sangue! – A História do Rock Pesado Gaúcho – Parte 1”, vamos relembrar um pouco da história do famoso e inesquecível Bar João, que por muitos anos deu vida à Avenida Osvaldo Aranha em Porto Alegre, reunindo várias tribos e servindo de palco para diversos shows marcantes do underground gaúcho. Fundado em 1946 por João Brum, foi somente em 1979 que o saudoso Júlio Leite comprou o bar, que ficou aberto até 2003, fechando assim um ciclo na vida dos porto-alegrenses, hoje órfãos deste importante local de convergência cultural de grande importância para o Heavy Metal.
Afinal, foi de lá que surgiram várias bandas e muitas amizades.
João Brum administrou seu bar por mais de quarenta anos. Porém, tudo começou no mais antigo e tradicional Bar do Serafim, conhecido como Bar do Fedor (que nunca fechava), e é merecedor de outra história. Ali João começou como garçom em 1937 e logo se tornou gerente. Permaneceu na função por 11 anos. Após esse período, montou seu próprio negócio com um sócio – o Bar Imperial – para desgosto de Serafim. O Imperial durou quatro anos. Terminada a sociedade, finalmente montou seu próprio comércio, – o Bar Azul – na Osvaldo Aranha, 1008.
E foi nesse endereço, num amplo sobrado, que nasceu o famoso Bar do João. O comerciante colocou umas mesas de snooker nos fundos e foi morar no andar de cima. Por lá viveu por 27 anos. Numa entrevista, João narra: “o salão do bar era muito familiar, com toalha e flores nas mesas. O movimento começava às 5h da madrugada: eram leiteiros, açougueiros, fiscais da saúde – gente que trabalhava cedo e que ia tomar café lá. Seguia aberto até a meia-noite ou até o último cliente. Tinha dias que ficava 24 horas sem fechar”.
O bar era frequentado pelos mais variados tipos – funcionários do HPS, professores, médicos, advogados, jornalistas, estudantes e também por uma clientela marginal, até mesmo por moradores de rua. Todos, de uma forma, se integravam ao espírito que marcou o Bar João, a universalidade cultural e a pluralidade social de seus frequentadores. “A freguesia era muito boa e o ambiente agradável”, resumiu João ao jornal em 2005. “Os velhos judeus ficavam horas lá, jogando pauzinho. Também se falava muito em futebol. O Carangache, um judeu “gremista doente”, era famoso também porque falava muito alto. A maioria no bar era gremista. Eu fui até sócio”.
E ao entardecer, esse público sofria uma transformação total. E do dia para a noite, com suas mesas de bilhar, atraia boêmios e toda a sorte de malandros, figuras que ficaram conhecidas pela caracterização do “magro do Bomfa”, criado e interpretado pelo humorista gaúcho André Damasceno – hoje conhecido pela imitação do ex-presidente Lula no programa global Zorra Total. Era a noite que o bar reunia uma frequência totalmente eclética, em que se misturavam, mais para a década de 80, jovens, marginais, militantes políticos, entre outros grupos. Passaram por ali e marcaram sua presença constante, políticos de todas as matizes, da esquerda a direita. Nomes como Isaac Ainhorn, que construiu sua história política como o vereador do Bom Fim, além de figuras como de vários prefeitos que comandaram nossa cidade, como Raul Pont, José Fogaça e o atual chefe do Executivo José Fortunati passaram pelas mesas do Bar João.
Também atores, músicos, aliás o Bar João foi cantado em verso e prosa em diversas composições, sendo a mais conhecida a dos irmãos Kleiton e Kledir eram freqüentemente vistos na noite do Bom Fim, exatamente no Bar João. De João Gilberto a Nei Lisboa, de Bebeto Alves aos Fagundes, não teve quem não passou pelo ambiente eclético do Bar João.
E assim, a noite caia e pela manhã o famoso café moído na hora, cujo cheiro ia até a calçada, atraia os velhos judeus aposentados e comerciantes, que para lá iam para tradicional jogo de “pauzinho” e suas intermináveis conversas. Como diziam alguns comerciantes, era a sala de reuniões, onde muitos negócios eram fechados.
João vendeu o Bar em 1979 para Júlio Leite, que ficou no velho sobrado até 1992, ano em que foi demolido para a construção de uma garagem. É nesse momento que o Bar do João vai para o imóvel localizado a poucos metros do antigo, na Osvaldo Aranha, 1026, seu último reduto e que teve seu fim trágico quando o bar foi atingido por uma retroescavadeira que trabalhava na demolição do prédio do antigo cinema Baltimore. Devido ao tráfico acidente, foi obrigado a fechar as portas em 2003. Depois que o Bar João fechou as portas, Porto Alegre perdeu uma parte de sua história, e com a morte de Júlio em 2011, as esperanças de que o bar reabrisse ficaram apenas no sonho de quem lá vivia. Durante anos fechado, em 2010 foi reaberto como comitê eleitoral, para pouco tempo depois ser demolido e sua história enterrada sob um edifício de escritórios curiosamente chamado Baltimore Office Park.
Um dos vários frequentadores assíduos era Edu K, do DeFalla, que relembrou em entrevista para o livro, das famosas cachaças que o bar servia: “Era a época da cachaça do João, do leite de onça, da cachaça dos Teletubbies, a gente estava sempre muito bêbado, muito louco. Tinha uma união legal da galera, mesmo que não se gostasse muito, se encontrava, saía junto, bebia junto, assistia shows junto. Rolou muita coisa, muita diversão, muita “chinelagem”. Tinha que fazer um livro sobre a Osvaldo, o problema é fazer os caras lembrar as coisas. Mas não era só o lugar… Teve uma certa magia mesmo, uma cena que acontecia, era uma certa ingenuidade que conspirava pra aquilo acontecer, e eu sinto falta disso, as coisas eram mais importantes, as coisas pequenas”.
Diego Kasper, ex-guitarrista do Hibria, falou da importância de Júlio Leite para a banda, quando ainda davam seus primeiros passos: “O Júlio foi um cara que nos ajudou pra caramba desde o início. O cara que primeiro abriu as portas, ele participava, apoiava até financeiramente os cartazes que a gente fazia, até num bar que não era dele, mas ele ia lá e entrava como apoiador, nós colocávamos o logo dele, do bar. Era um cara pra quem a gente deve um grande agradecimento”.
Local importantíssimo e principal ponto de encontro para a cena pesada local, e famoso pelas suas cachaças, o Bar João era parada obrigatória para Sérgio Coelho, guitarrista do Crossfire: “O Bar João, eu frequentava de segunda a segunda. Segunda-feira o bar não abria, mas eu estava lá igual. Mesmo antes de a gente começar tocar lá eu ia todos os dias. O bar estava sempre molhado, mesmo quando tinha sol. Molhado e nem sabe do que era. Eu e o Sfinge nos conhecemos no Bar João e já numa função de montar a banda. Na Osvaldo era um lance foda, a gente se conhecia meio que brigando: Bah! Tu tem um soco foda hein?”.
Sfinge Lima, baixista do Crossfire, lembra com carinho, já que foi dali que surgiu a banda: “O Bar João nem se fala, porque era na Osvaldo Aranha, era underground e não era chinelo. A galera ia lá, enchia a cara, tem gente que usava droga, mas não eram chinelos. Existia uma cultura, tinha quem falava bonito,tinha a cultura beatnik, tinha o pessoal da faculdade, nós ali do Metal. Todo mundo curtindo junto, e em comum, que é toda essa coisa da contra cultura, Rock’n’Roll. Se ouvia de Led Zeppelin à Venom. O Bar João foi uma das coisas mais legais que vivi. Tocamos depois com Crossfire durante anos no Bar João”.
Em “Tá no Sangue! – A História do Rock Pesado Gaúcho – Parte 1”, escrito por Maicon Leite, Douglas Torraca e Luis Augusto Aguiar, há um capítulo especial sobre os Points de Rock de Porto Alegre, como o Bar Ocidente, Lola, Rolla Rock, as divergências entre as tribos (as famosas brigas entre Punks e Bangers), etc. Para ler mais depoimentos e outros textos e relembrar alguns acontecimentos, acesse a página do livro, e para quem quiser adquirir o livro e conferir tudo o que se passou na cena gaúcha até o final da década de 1980, basta entrar em contato através do e-mail projetolivrors@gmail.com (o custo do livro + correio é de R$ 45,00 no total).
A primeira parte de “Tá no Sangue! – A História do Rock Pesado Gaúcho” foi lançada na 60º Feira do Livro de Porto Alegre em 2014, e aborda os primórdios do Rock Pesado Gaúcho, desde os anos 60 e 70 até o final da década de 1980. A segunda parte do livro abordará somente a década de 1990, dando continuidade nos fantásticos depoimentos de quem sobreviveu às inúmeras cachaçadas neste verdadeiro patrimônio histórico gaúcho.
Para complemento do texto foram utilizados trechos deste blog: http://portoalegre-rs.blogspot.com/2012/04/bar-joao.html