Resenha: Priest e o Diário do Ano da Peste, de Daniel Defoe
“Um diário do Ano da Peste”
Daniel Defoe
Editora: Artes e Ofícios – 2014
Ela surgiu do nada, afetando as famílias aos poucos, entretanto, a maioria das pessoas achava que não era nada, que não iriam ser afetadas. “Fiquem em casa”, diziam. Não adiantou: igrejas e bares estavam lotados, como se nada estivesse acontecendo. Com o tempo, mais e mais casos apareciam, e as pessoas morriam aos milhares, enterradas praticamente como indigentes, sem a despedida da família e sem a dignidade merecida. As aglomerações não cessavam, e quanto a doença dava uma amainada, as pessoas achavam que estava tudo bem e se abraçavam pelas ruas, sem medo nenhum. Os picos de mortes subiam e desciam, e foram tomadas medidas extraordinárias para enterrar tanta gente. Séculos depois, covas coletivas foram achadas aos montes, com as ossadas aglomeradas assim como em vida.
Em que ano estamos? 2020? 2021? Não. 1665, o ano em que a Grande Peste de Londres dizimou no mínimo 20% de sua população, que na época era de 93 mil habitantes. Ou seja, quase 18 mil pessoas pereceram diante da praga. Em toda a Inglaterra foram de 75 a 100 mil vítimas, entre 1665/1666. Então, no parágrafo acima, se trocarmos os “bares” por “tavernas” é a mesma coisa. É impossível desassociar a leitura do livro com os dias atuais.
Toda essa história que parece tão atual foi relatada no livro “Um diário do Ano da Peste”, do autor Daniel Defoe, que embora na época da epidemia tivesse apenas cinco anos de idade, romanceou com precisão todos os fatos ocorridos na época. Ele narra em primeira pessoa todos os acontecimentos, creditando a uma testemunha ocular da peste o tal diário, que reza a lenda pode ter sido seu tio Henry Foe.
Um trecho muito interessante: “Muitíssimos charlatões também morreram, aqueles que cometeram a loucura de acreditar em seus próprios remédios que, sendo conscientes de si mesmos, sabiam não servir para nada. Antes fizessem como outros tipos de ladrões que reconheciam sua culpa fugindo da justiça, pois não podiam esperar mais do que o castigo que sabiam merecer”.
Epidemias na Europa eram comuns, e a doença era causada pela bactéria “Yersinia Pestis”, transmitida por ratos. A Grande Peste teve menos impacto do que a Peste Negra que assolou a Europa na Idade Média, entre 1347 e 1353, mas os números ainda são absurdos.
Uma das soluções que o inglês Rei Carlos II estabeleceu foi proibir a circulação das pessoas, decretando várias políticas públicas para que a peste não avançasse com tanta voracidade. Mas ele fez suas malas, subiu numa carruagem com sua família e se mandou de Londres, indo para o interior, em Salisbury. Além disso, houve o recrutamento obrigatório de coveiros, e o auxílio à população mais carente, visto que havia uma disparidade muito grande nas classes sociais.
A leitura do livro (edição de 2014 pela Artes e Ofícios), realizada no final de 2020, foi muito empolgante, e ao mesmo tempo impactante, por se tratar de um assunto parecido com o que estamos vivendo hoje em dia, com a pandemia da COVID-19. A atitude das pessoas de hoje se parece muito com os relatos do livro, onde o desprezo pela vida alheia e pela própria vida era algo corriqueiro. Tavernas lotadas, igrejas apinhadas de gente, mortos aos milhares, remédios sem eficácia, etc. O personagem do livro sobreviveu justamente por se isolar em casa, embora tenha dando umas escapadas de vez em quando. No final das contas, tivemos tantos exemplos de epidemias/pandemias no passado que parece que não aprendemos nada. Hoje, com toda a ciência que temos (e que não existia naquela época), ainda há pessoas negacionistas e que se recusam a aceitar os fatos.
O Brasil de 2021 parece a Londres de 1665. É a história que se repete.
Ilustração de 1835
Na ilustração está o pastor Quaker Solomon Eagle, de cabelo e barba desgrenhados e nu exceto pelas calças, caminhando pelas ruas de Whitechapel, denunciando os pecados da cidade e prevendo o apocalipse, com um braseiro em chamas sobre a cabeça e os braços erguidos. Ilustração para “Um Diário do Ano da Peste ou Memoriais da Grande Peste em Londres” de Defoe, publicada em 1835.
Segundo Daniel Defoe, Solomon corria quase nu pelas ruas de Londres, com o braseiro na cabeça tentando purificar o ar.
Música relacionada
No disco conceitual sobre Nostradamus lançado em 2008, o Judas Priest não deixa de falar sobre pragas na música “Pestilence and Plague”. Único disco conceitual do Priest até então, as músicas foram escritas pelo trio Rob Halford, K.K. Downing e Glenn Tipton, e embora tenha seus momentos bons, o álbum é considerado um dos mais fracos da banda. O próprio Nostradamus previu: “Pestes se alastrarão, o mundo ficará menor / Por um longo período, as terras serão habitadas em paz / As pessoas viajarão com segurança por terra, água e ar / Então as guerras recomeçarão.
Um trecho da letra de “Pestilence and Plague”:
“Now can we live
In dispair and in sorrow
Our children are lost
With all that we love
Plague spreading forth
To lay waste to our culture
Civilizations demise from above”
“Agora viveremos,
Em desespero e tristeza
Nossas crianças são perdidas
Com tudo que nós amamos
Praga se espalhando
Para destruir nossa cultura
Civilização morre de cima”