Metal em Porto Alegre: A Igreja da Glória e o Padre Headbanger
Garagens, porões, quartos, estúdios… Havia vários locais onde as bandas ensaiavam, mas nenhum tão inóspito quanto dentro de uma Igreja. Na segunda metade da década de 80 até o início dos anos 90 algumas bandas de Porto Alegre contavam com a ajuda do “Padre Headbanger”, que cedia o porão da Igreja para ensaios. A Igreja da Glória, inicialmente apenas uma capela, foi construída entre 1893 e 1894, tornando-se uma paróquia em janeiro de 1916. Localizada na Avenida Professor Oscar Pereira, abrigava ensaios de bandas como Sacrario, Alchemist, Gladiator, e talvez seja por isso que dizia que “o padre era meio surdo”, brincou Robson Rachinhas, vocalista do Gladiator. O padre João Germano Rambo comandou a paróquia por 40 anos.
Marcelo “PT” Cougo, baixista do Alchemist, atesta a importância do religioso, dizendo que “este cara foi importante para uma parte da cena local”. César Louis relembra alguns fatos: ”O ensaio era literalmente embaixo da Igreja, ficava tudo tapadinho e as bandas tocavam em dias diferentes, rolava legal sem estresse nenhum”. Carlos Lots, que na época tocava com a primeira versão da Sacrario, conta que a banda ensaiava em um sítio no bairro Belém Velho, na casa do guitarrista, mas moravam em Teresópolis/Glória. O quartel general da banda era na casa do baterista e do baixista, que eram irmãos, o Vágner e o Ricardo, que depois viria a ser baixista do Gladiator. Ali também existiam os amigos de infância, um deles, Ricardo Lang, era baterista do Impacto, uma banda de baile.
Carlos Lots explica melhor como tudo começou: “Eles ensaiavam na Igreja da Glória e tinham um esquema com o Padre, só que os caras mudaram de lugar, eles haviam investido ali colocado uma porta de ferro e grades, pois quando pegaram pela primeira vez as portas eram de madeira, aí ele falou: “vocês estão precisando de um lugar”? “Eu falo lá com o Padre e passo o estúdio para vocês, e aí o Ricardo Lang, que era amigo do Vágner facilitou tudo, pois durante muito tempo a gente não pagou nada”. Mas, com os ensaios cada vez mais frequentes, a conta da luz começou a aumentar, foi aí que o Padre intimou a gurizada: “Óh rapaziada, a luz tá dando muito alta”!” Ensaiando todos os dias das 19h às 21h/22h, o Padre só pedia para a barulheira não passar das 22h, mas nem sempre era obedecido: “A gente chegou a ensaiar algumas vezes bem tarde, e até nos incomodamos com algumas pessoas”, confessa Lots. Gilson, irmão de Robson, confirma a história: “Nós, de tempos em tempos, dávamos um dízimo, uma graninha, era uma mixaria, e o nosso único compromisso era não tocar no horário de missas, mas mesmo assim muitas vezes a gente acabou tocando em horário de missa.
O pessoal brincava na época que o padre tirava um quepe e caia uma cabeleira e tirava a batina e tinha uma camiseta do Slayer”. Como uma banda levava a outra, quem levou o Gladiator pra lá foi a Sacrario, explica Robson: “Pintou esta ideia de dividir o local na igreja, tinha um salão e um canto mais isolado, a Gladiator com o canto, e o salão ficou com a Sacrario. Depois a Sacrario abandonou e o salão ficou para nós”. Reza a lenda que o Padre dava umas “bangeadas”, conta Sfinge Lima: “Tinha uma capa do Slayer na entrada. O padre curtia Heavy Metal. A gente estava ensaiando Metal, mosh e daqui a pouco abria a porta e a gente olhava e o padre estava curtindo e batendo a cabeça. Aí mudou o padre e nos ferraram na igreja, botaram um grupo de jovens para tocar lá!”.
Os ensaios duraram até 1993 ou 1994, e quem hoje a frequenta não imagina a bagunça que rolava por lá daqueles tempos.
Em “Tá no Sangue! – A História do Rock Pesado Gaúcho – Parte 1”, escrito por Maicon Leite, Douglas Torraca e Luis Augusto Aguiar, há um texto especial sobre o Padre Headbanger. Para ler mais depoimentos e outros textos e relembrar alguns acontecimentos, acesse a página do livro, e para quem quiser adquirir o livro e conferir tudo o que se passou na cena gaúcha até o final da década de 1980, basta entrar em contato através do e-mail projetolivrors@gmail.com (o custo do livro + correio é de R$ 45,00 no total).
A primeira parte de “Tá no Sangue! – A História do Rock Pesado Gaúcho” foi lançada na 60º Feira do Livro de Porto Alegre em 2014, e aborda os primórdios do Rock Pesado Gaúcho, desde os anos 60 e 70 até o final da década de 1980. A segunda parte do livro abordará somente a década de 1990, dando continuidade nos fantásticos depoimentos de quem sobreviveu às inúmeras cachaçadas neste verdadeiro patrimônio histórico gaúcho.
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