Metal Gaúcho: As origens do Metal Extremo nos pampas

Do Thrash ao Black Metal, passando pelo Grindcore, até chegar ao Death Metal, há uma série de bandas que desde a segunda metade da década de 1980 vem apodrecendo os tímpanos alheios, e como ponto de partida, temos a Panic, que debutou em grande estilo com o clássico “Rotten Church”, lançado em 1987, mas gravado meses antes. Para algumas pessoas, o Rio Grande do Sul teve uma cena peculiar, até mesmo para a época. Ângela Jornada argumenta que “O Rio Grande do Sul teve um movimento único, mas bem underground, bandas como Nuctemeron, Skull Grinder e Dissector fizeram um som próprio e muito brutal na época, tanto que são um marco até hoje para os envolvidos na cena”, evidenciando assim esse potencial dos gaúchos para a “podreira” musical. Cristiano Passos completa, destacando o pioneirismo desta geração: “Afinal, em 1987, se pensarmos em termos de underground do Sul do país, tínhamos apenas o Morthal, de Foz do Iguaçu, Mausoleum, em Santa Maria (com parte do pessoal que viria a montar o Nuctemeron em 1989), e Panic e Leviaethan em Porto Alegre, mas nenhuma delas se compara ao Dissector em termos de agressividade lírica e musical, com toda a certeza”.

Santa Maria era um destes grandes polos, e muitos destes representantes surgiram de lá, como cita Homero Pivotto Jr., falando ainda da importância da loja Excluzive CDs para a cena local: “Por volta da metade dos anos 80 começaram a aparecer bandas mais extremas: Nuctemeron (Death), Grupo de Extermínio (GDE, Hardcore/Noise), Ossification (Death)… Desde então, entre altos e baixos, sempre houve certo movimento dentro do cenário independente local. A loja Excluzive Discos e CDs, criada em 1986, ajudou a manter esse cenário vivo e ativo. O local funcionava como ponto de encontro para os ‘corvos’ (galera que usava camisetas pretas) trocarem material e se conhecerem, além de ser um dos poucos locais onde eram comercializados discos de Rock e todas suas vertentes mais infernais”.

Panic na época do álbum “Rotten Church”

Quando se mudou de São Borja para Pelotas, Ângela Jornada sentiu a diferença: “São Borja não tinha movimento ou cena, mas em Pelotas, para onde eu me mudei em 1989, já existia uma cena local com bandas, headbangers, shows etc. Era uma cena forte, tinha um bom número de pessoas e bandas, umas mais “pops” e outras mais underground, como: Atro, Cemitério, Dissector e outras que não lembro mais. A melhor para mim era a Dissector, pois abordavam temas extremos nas letras. Acredito que essas bandas foram importantes para a cena local, pois foi onde tudo começou e influenciou muitos de nós, inclusive minha banda, que surgiu anos depois, em 1992, a Necrose de Grind/Noise”. 

Radicais ao extremo, o Apostasia, assim como o Dissector, estava muito à frente do seu tempo.

Leozir Parisotto, do Sarcastic, dá uma visão geral sobre o que ocorria naquela época: “Eu comecei em 88/89, e vi surgir várias bandas como a Blessed (Porto Alegre), de Caxias teve a Anesthesia, do Fábio, teve o Amorim que montou uma banda (Dies Irae). Eles e o Anesthesia foram uma das primeiras bandas; e teve outra, acho que antes de Krisiun, era uma banda muito underground e que gravava fita K7 somente para quem usava preto e coturno, era o Apostasia, de Farroupilha, foi a banda mais radical que eu conheci de todo o Brasil, eles não tomavam Coca Cola, eles não assistiam TV, o Rafael, um dos melhores bateristas da época, isto em 89, tinha um estilo próprio, hoje tu ouve Apostasia é um Death Metal poderoso, que tinha uma influência do Sarcófago, Mutilator, toda esta linha dos mineiros”. A partir daí, surgiu uma nova leva de bandas, como a própria Sarcastic, definindo o que seria dos anos 90: “Nós da Sarcastic fomos pioneiros do Splatter, depois veio o Necrose, de Pelotas, que era mais ou menos da mesma época, e que lançou um EP lá por 94; o Krisiun lançou um EP praticamente junto conosco (mesma época); nós tínhamos contato com o Moyses, eles lançaram o EP pelo mesmo selo que foi lançado a Sarcastic. Eu divulgava muito a banda, com esta troca de carta pelo Brasil inteiro nós colocávamos os flyers nas cartas e um passava para o outro. Nós tocamos pelo estado todo, em Porto Alegre tocamos no Porto de Elis, no Bar João, no Bar Fim, tudo Festival Underground, só caras do Metal, não entrava mais ninguém. Naquela época tinha um atrito dos Punks x Metal, e eu comecei a criar um sistema para unir, porque tinha o Punk, o Hardcore e o Grind. O Grind veio do Hardcore, e o Hardcore veio do Punk. Eu fazia festivais e pregava: “vamos unir o underground do Rio Grande do Sul, estamos todos com o mesmo objetivo!”“.

De Pelotas a Santa Maria, de Porto Alegre a Caxias do Sul, o cenário estava se formando, criando assim uma rede de contatos via cartas, com trocas de fitas K7 e muitas ideias em ebulição. O radicalismo, sempre presente, fazia parte desta galera, que, vestidos de jeans rasgados, coturnos, coletes de patches e braceletes com pregos, fizeram história. Esse contato mais visceral, através de cartas, apesar de lento, era essencial, disse Cristiano em seu site: “Por sinal, essa é outra característica bem marcante daqueles tempos, em que apenas alguns meses eram mais do que suficientes para que a rede de contatos tivesse abastecido cada banda com ideias ainda mais insanas e radicais. Aliás, se, na virada para a década de 1990, o metal extremo não tivesse ganhado ares de mainstream (vide os contratos assinados por bandas como Napalm Death, Morbid Angel, Cannibal Corpse, Obituary, entre outros, com grandes gravadoras), o que fez com que muitas cabeças pensantes do underground resolvessem dar um tempo da cena, não sei aonde teríamos chegado a termos de insanidade…”.

Dizimator e Nun Stuprator

Em Caxias do Sul, Paulo Schroeber dava início em sua carreira da forma mais extrema possível, com o Psychopatic Terror e posteriormente o Sepulchred. Nos releases de ambas as bandas, “Dizimator”, como era seu apelido na época, declarava um radicalismo inocente, típico da época.

No próximo texto começaremos a falar das bandas que surgiram na década de 1980, pavimentando o caminho para o verdadeiro assalto Death Metal que tomaria forma na década seguinte, com o surgimento e consolidação de monstros como Krisiun, Rebaelliun, Carcinosi, Nephasth, Abominattion, Mental Horror, etc. Seja no campo do Death Metal, do Thrash ou do Grindcore, Pesadelo, Panic, Leviaethan, Sacrario, Gladiator, Hexenhammer, Dissector, Sarcastic, Pietà, Krisiun, Crucifixo, Apostasia, Mausoleum, Nuctemeron, Dark Butcher, Skull Grinder, Satanic Voice, Althar e diversas outras contribuíram de alguma forma para que a semente do extremismo musical fosse plantada no Rio Grande do Sul.

Mausoleum tocando em Santa Maria, 1987

Na primeira parte de Tá no Sangue! – A História do Rock Pesado Gaúcho – Parte 1”, escrito por Maicon Leite, Douglas Torraca e Luis Augusto Aguiar, há um capítulo especial sobre as origens do Metal Extremo no Rio Grande do Sul.  Para ler mais depoimentos e outros textos e relembrar alguns acontecimentos, acesse a página do livro, e para quem quiser adquirir o livro e conferir tudo o que se passou na cena gaúcha até o final da década de 1980, basta entrar em contato através do e-mail projetolivrors@gmail.com (o custo do livro + correio é de R$ 45,00 no total).

A primeira parte de Tá no Sangue! – A História do Rock Pesado Gaúcho” foi lançada na 60º Feira do Livro de Porto Alegre em 2014, e aborda os primórdios do Rock Pesado Gaúcho, desde os anos 60 e 70 até o final da década de 1980. A segunda parte do livro abordará somente a década de 1990, dando continuidade nos fantásticos depoimentos de quem sobreviveu às inúmeras cachaçadas neste verdadeiro patrimônio histórico gaúcho.

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Dissector

 

WarGodsPress

Assessor de Imprensa com a Wargods Press, colaborador da revista Roadie Crew, co-autor do livro Tá no Sangue! e podcaster com o Metal Legacy.

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