Especial “Serás + Que Imaginação” – THE TRIAL fala sobre a experiência com o saudoso Júpiter Maçã, influências de Leonard Cohen, mercado musical e muito mais!

Localizada no Vale do Taquari, a cidade gaúcha de Paverama receberá no final de semana da Páscoa, nos dias 30 e 31 de março, o festival multicultural “Serás + Que Imaginação”, congregando bandas e DJs de variados estilos, desde Música Brasileira, Reggae, Trap, Instrumental, Rock Alternativo, Punk/HC, Crossover, Heavy Metal, Thrash Metal, Post-Punk, Grindcore e vertentes eletrônicas como Indie Retro, House, Techno, Zenonesque e Psy-Trance e Trance psicodélico. Para conhecer um pouco mais das atrações entrevistamos algumas bandas para um especial sobre o evento.

Uma destas atrações é ao THE TRIAL, uma grata revelação do interior do Estado que busca uma sonoridade inspirada no Pós-Punk e em nomes como Leonard Cohen, criando assim músicas que podem agradar o mais variado público. Conversamos com Ramon Antoniazzi, que nos falou sobre as origens da banda, sua temática, influências, sua visão sobre o cenário musical underground e a expectativa em tocar no festival. Em seu line-up o grupo conta com Ramon Antoniazzi (vocal), Sérgio Knebel Jr. (guitarra), Guilherme Chiarelli Gonçalves (baixo) e Augusto Darde (bateria).

Confira!

Para quem está conhecendo a banda agora, como vocês descreveriam o estilo musical do THE TRIAL e quais são suas principais influências? Achei particularmente interessante no press release a menção a Leonard Cohen como fonte de inspiração, dado que ele é um compositor singular e altamente diferenciado. Gostaria de saber como vocês incorporam essa influência em sua própria música?

Ramon Antoniazzi: A Trial surgiu inspirada no pós-punk de bandas como o Joy Division e The Cure, sonoramente falando. No caso do Joy Division a poesia de Ian Curtis pegou pesado. Depois vieram The Smiths e R.E.M., Morrissey e Michael Stipe, outros dois poetas que abriram nossa cabeça. Mas foi na adolescência através da Legião Urbana que as portas de fato se abriram. Além de serem uma grande influência nos levaram a outros artistas. Ouvi “Hey That’s No Way To Say Goodbye” na voz de Renato Russo e no tempo pré-Trial em que vivi em Londres comprei o vinil de “Songs Of Leonard Cohen”, bem como o “Blue” da Joni Mitchell, que mais uma vez ouvi primeiro na voz de Renato em ‘The Last Time I Saw Richard”. Estes dois vinis me apontaram o caminho do coração e do espírito. Era um adolescente sensível, cheio de questões e apaixonado pela Legião Urbana, pelos contos de Caio Fernando Abreu e pela prosa de Rimbaud. E são sob essas influências todas que parti para o rock. São poetas que não se atêm a simplesmente narrar os fatos, a paisagem que descrevem é uma paisagem emocional, focada no que se sente.

Como foi a experiência de trabalhar com o saudoso Flávio Basso (Júpiter Maçã/Apple) no EP “Résistance”? Gostaríamos de saber mais sobre como essa parceria influenciou o processo criativo da banda e qual foi a contribuição que Flávio trouxe para o projeto. Assim como Leonard Cohen, o Flávio tinha um jeito especial e compor, e era um músico fora de série.

Ramon Antoniazzi: Na época da gravação do EP “Résistance” conheci Júpiter Maçã através de Talitha Jones, sua namorada na época. Fui em um show dele no Ocidente e elas nos apresentou. Na época ele tocava as músicas do “Plastic Soda”. Voltando no tempo éramos superfãs do Júpiter, acampávamos no interior e no nosso som rolava a “Sétima Efervecência” no repeat. Voltando ao encontro, estava eu ali em frente ao criador/criatura de tantas loucuras. Talitha me apresentou ao Flávio da seguinte forma: este é o Brian Ferry do Rio Grande do Sul (pensa isso!). Logo de cara o convidei para participar da gravação de um som nosso e ele topou. Eles vieram até nossa cidade e passaram uns dias. Flávio gravou backings e guitarras para a música “Heart Of The Town” e foi um período muito bom, ele estava trabalhando no “Hisscivilization” e aproveitou para filmar algumas cenas para um filme que estava fazendo na época. Me lembro dele sentado no chão do estúdio gravando aquelas linhas de guitarra lindas que finalizam “Heart Of The Town”. E no final de todo o processo ele virou para mim e disse: eu queria ter escrito essa canção! O que para mim, vindo dele, foi o maior elogio de todos.

P.S: Muitas pessoas lembram do Júpiter pelo seu “way of life” destrutivo e caótico, eu prefiro lembrar do criador, do ser criativo e extremamente sensível que foi um dos maiores amantes do rock que pisaram nessa terra. Flávio foi Mick Jagger, foi Bob Dylan, foi Syd Barrett e só ele foi Júpiter Maçã.

O EP “Résistance” esgotou rapidamente e há planos para uma reedição? O que os fãs podem esperar dessa nova versão? Há planos de relançamento, com alguma faixa bônus ou algo parecido?

Ramon Antoniazzi: Na época fizemos poucas cópias do EP “Résistance” que logo não tínhamos mais em mãos. Colocamos na Trama Virtual, uma plataforma da época, e no mesmo dia 4 das 5 músicas ficaram no top 5 da Trama. Rádios de São Paulo tocaram “Résistance” e só não fizemos mais cópias porque achávamos que alguém naturalmente iria correr para nos contratar. O que naturalmente não aconteceu (risos). Existe a possibilidade do selo Yeah You! Records, que já lançou o “Ritual” em CD, reeditar o EP “Résistance” em vinil, estamos na fila para isso. E em breve estará também nas plataformas digitais.

O primeiro álbum, “Ritual”, contou novamente com a produção Thomas Dreher, assim como no EP. Como foi o processo de gravação e produção deste álbum e como Thomas auxiliou a banda neste processo?

Ramon Antoniazzi: Conhecíamos os irmãos Dreher através de inúmeros discos de rock gaúcho que haviam produzido. Mas foi pelo trabalho que fizeram com Júpiter Maçã que nos ligamos neles. Entramos em contato com o Thomas Dreher que ao ouvir os sons topou de pronto produzi-los. Veio até nossa terrinha, entrou no estúdio e mandou ver. Com ele gravamos o EP e nada mais natural que recorrêssemos a ele para nosso primeiro disco. Desta vez fomos nós a Porto Alegre. O processo todo durou meses em sessões longas e muito loucas. Trouxemos as 11 músicas já arranjadas e passamos a maior parte do tempo buscando timbres e gravando o mais analogicamente possível as linhas. Não existia um parâmetro para o que estávamos tentando fazer, tateávamos no escuro em busca “do nosso som”. Foram mais de 100 horas de gravação e 200 de mixagem e no final tínhamos nosso primeiro disco, mas não sabíamos exatamente o que fazer com ele. Era um período de mudanças, as gravadoras estavam em baixa e as mídias digitais a milhões. Entre entregar para um ou para o outro optamos por nenhum. Na verdade, enviamos para inúmeros selos que amávamos, mas poucos chegaram a ouvir e as respostas sempre tiveram a justificativa (hiper justa) de que morávamos na puta que pariu e que seria difícil “trabalhar” a gente.

Ouça “Dance Flowers”:

Vocês têm algum ritual (com o perdão do trocadilho!) ou processo criativo específico ao compor?

Ramon Antoniazzi: Logo após o EP começamos a compor as músicas que se tornariam nosso primeiro disco “Ritual”. Normalmente trago uma melodia com alguma frase, algum sentimento que dá a direção do que deve ser dito e junto ao Sérgio compomos o som. Outras vezes ele traz uma linha e eu busco uma melodia. Na época da composição do “Ritual” passamos por uma grande perda, um amigo querido morreu jovem, o que é sempre uma tragédia. Muitos sons vieram desse sentimento: “Rite Of Passage”, “Body Of Mine”, “A L’Occasion D’une Grande Peine”, “Dead Flowers” e “I’m In The Start” passaram também por essa dor.

Qual é a mensagem ou tema central por trás das músicas presentes em “Ritual”?

Ramon Antoniazzi: São músicas sobre amor, amizade, passagem do tempo, sobre a urgência que sentíamos em criar novas realidades, onde pudéssemos sentir e existir em paz. A faixa de abertura “Rite Of Passage” fala sobre a urgência da vida, do contato com o espírito e sobre a procura de um sentido que completasse algo que está vazio, seja porque foi perdido, seja porque nunca esteve lá. “Major Dances” traz a esperança de que o sonho seja preenchido no agora, sem defesas, ao entregar-se completamente ao desconhecido, ao que está por vir. “Present Moment” fala desse pacto com o espírito, da necessidade de acreditar para continuar vivendo. “Fields Of Our Trust” é o próximo passo de “Present Moment”, um campo no qual se pode andar livremente e sem medo. “Body Of Mine” começa com uma reza, passa por uma transformação e acaba com um homem empunhando uma guitarra. “Into The Heart” traz uma mensagem de perdão, de um amor que não sabemos nem como começa, nem como acaba. “Lovers” traz esse momento a superfície, onde o desejo é escancarado e o momento de ruptura também é o momento do entendimento. “Invicta” é uma força motora para frente, sempre para a frente até chegar em “A L’Occasion D’une Grande Peine” onde o amor se torna um sonho completo para logo depois se ver sozinho, dividido ao meio. “Dead Flowers” chega como um sonho, alguém que não está mais aqui lembrando de uma conexão que para sempre existirá. “I’m In The Start” fecha tudo ansiando por um novo começo.

Uma poetisa americana um dia me disse que o que fizemos foi um tratado de amor através da via Crúcis do espírito. Olhando agora de longe eu vejo de uma forma mais simples, “Ritual” é sobre a mistura de sonhos e angústias, coisa que todos nós quando jovens sentimos simplesmente o tempo todo.

Como vocês mantém sua identidade autoral e independente em meio a um mercado musical cada vez mais comercializado, especialmente considerando o cenário do mercado autoral underground? Quais desafios vocês enfrentam e como superam essas barreiras para continuar produzindo música autêntica e significativa? Creio que o THE TRIAL fuja bastante das convenções musicais por estas paragens…

Ramon Antoniazzi: Se pensarmos em termos de indústria musical é claro que existe uma máquina e uma demanda específica para essa máquina, como um combustível que tem que ser igual para funcionar em todos os carros. Sob esse ângulo somos nossa própria demanda. A ideia sempre foi fazer a música que mais se assemelhasse aos anseios e desejos do nosso espírito. Se a música é a linguagem do espírito, uma das formas que ele se manifesta e se comunica na realidade, eu vejo canções como polaroids do espírito e ao conhecer elas e muitas delas se pode ter uma melhor compreensão do que é o mundo: o que as pessoas sentem do mundo. Quem gosta da gente gosta justamente porque somos sinceros quanto a isso, retratamos o que somos. Já se pensarmos em termos de viabilizar a arte, hoje temos muito mais recursos para fazê-la por conta. A facilidade de gravar em qualquer lugar e levar o tempo que for preciso, a liberdade e a independência de todo esse processo vieram para ajudar o artista. E nós que sempre fomos independentes agora podemos ser mais ainda. Para a arte, isso é tudo.

Quais são os planos futuros da banda em termos de shows ou lançamentos?

Ramon Antoniazzi: Estamos trabalhando em novos sons que nós mesmos estamos produzindo. Em breve teremos novidades.

Vocês tocarão no festival multicultural “Serás + Que Imaginação” ao lado de artistas de vários estilos. Qual a visão dos músicos sobre este evento e o que o público pode esperar deste show?

Ramon Antoniazzi: Vai ser um evento plural com bandas de vários estilos, o que eu acho uma maravilha. Os que te esperam se juntam aos que não te esperavam. Todo mundo sai ganhando. É sempre uma oportunidade de chegar a outras pessoas que no seu caminho normal talvez não chegassem a nós. O show terá sons do EP “Résistance”, do álbum “Ritual” e também sons novos.

Ouça “Ritual” no Spotify:

Saiba mais sobre a banda:
https://www.instagram.com/thetrialband/

Informações completas sobre o festival:
http://wargodspress.com.br/wargods/festival-multicultural-seras-que-imaginacao-agitara-o-vale-do-taquari-na-pascoa-com-djs-e-bandas-alternativas/

WarGodsPress

Assessor de Imprensa com a Wargods Press, colaborador da revista Roadie Crew, co-autor do livro Tá no Sangue! e podcaster com o Metal Legacy.